Ingerir alimentos tem vários significados emocionais, enraizados na própria dinâmica familiar.
Assim que nasce, o bebê precisa respirar e sugar o alimento oferecido (pelo seio materno ou pela mamadeira) para viver, ao contrário do que acontecia no mundo intrauterino, onde tudo lhe era fornecido sem seu esforço. Então, a alimentação, nos seus primórdios, acontece no contexto do vínculo afetivo, faz parte da tecelagem do amor.
O bebê vai crescendo e revelando disposição para experimentar novos sabores e texturas, ou recusando essa abertura para as novidades. É importante a “leitura” que a família faz sobre as necessidades da criancinha, que precisa não só de comida, mas também de carinho, atenção, aconchego, estimulação sensorial, brincadeiras. Quando os sinais que emite são “lidos” como fome, receberá mais alimento do que precisa e isso constrói a noção de que comer serve para acalmar, distrair, aliviar frustrações, suprir carinho e atenção, preencher buracos afetivos. Muitas crianças crescem comendo compulsivamente, com dificuldades de desenvolver a autorregulação.
Comer demais ou de menos também é estratégia de poder: a criança escraviza a família impondo seus desejos e os adultos se submetem para aplacar os ataques de raiva e de birra. Há aquelas que quase nada comem em casa, mas na escola ou na casa de amigos comem de tudo. Portanto, no processo de aprender a cuidar bem de si mesmo, a nutrição consciente está sujeita aos fatores inconscientes e às estratégias de poder.
Crianças e adolescentes são influenciados pelos hábitos alimentares da família, dos amigos e do contexto social (incluindo a propaganda). Quase sempre, nas famílias de crianças obesas, muitos adultos estão acima do peso. Querem controlar o que a criança ingere, mas eles mesmos comem além da conta. São mensagens contraditórias.
Com ritmo de trabalho intenso, há adultos que argumentam que é mais prático comprar lanches empacotados, sem pensar no alto teor de açúcar e gorduras e no baixo valor nutritivo. A publicidade voltada para as crianças vistas como consumidores estimula a pressão que estas passam a exercer na família, que sente dificuldades em dizer “não” aos insistentes pedidos para comprar o que é anunciado e o que os colegas compram na cantina da escola.
A parceria entre a família e a escola pode resultar em mudanças que favorecem a boa nutrição, oferecendo a possibilidade de nutrição saudável. Pequenas e progressivas mudanças no cotidiano da família (horários de refeição em conjunto, sem “telas”, conversas e tempo reservado para atividades de interesse coletivo) para criar tempo de convívio podem intensificar a nutrição afetiva, para que a comida não precise preencher outras lacunas. E leis apropriadas para coibir abusos da publicidade infantil, ao lado de um trabalho de visão crítica sobre o poder de manipulação da publicidade, que cria necessidades que não precisariam existir, são outros recursos para abrir bons caminhos para a nutrição de boa qualidade.