“O amor e o ódio se irmanam na fogueira das paixões” e “o amor e o ódio se irmanam na geleira das paixões” são duas frases pinçadas de As aparências enganam, composição de Tunai e Sérgio Natureza, que gosto de ouvir na magnífica interpretação de Elis Regina.
Como terapeuta já vi muitas pessoas atravessarem décadas unidas por essa mescla de raiva, desprezo, ódio, amor e cumplicidade. Padrões trançados de dependência em que as respectivas loucuras se complementam. Casais, pais e filhos, irmãos. Relacionamentos rompidos, às vezes refeitos. Raiva quente e raiva gelada. Brigas violentas, explosivas ou a geleira da indiferença, do afastamento, do abandono. Uma capa de indiferença (“não quero mais nada com meu pai”) escondendo a mágoa doída pela percepção da ausência quando precisava de presença.
Casais que se separam, mas permanecem casados pelo ódio, pelos ataques recíprocos, os filhos no meio do tiroteio com os pais que se desqualificam e cobram lealdade (“se continuar defendendo sua mãe estará contra mim”). Pessoas imobilizadas pelo ressentimento, culpando o outro por sua própria infelicidade. O outro pode ter feito coisas que nos machucaram, mas somos nós que escolhemos nutrir a permanência dessa dor ou transformá-la.
Giovani, 42 anos diz: “Desde pequeno ouço minha mãe gritar que não aguenta mais meu pai, que vai se separar e viver a vida. Eles se odeiam, é briga o tempo todo, xingamento, agressões pesadas. Não entendo como ainda estão casados!”
O que liga esses casais? Às vezes, a briga é combustível para um bom sexo. Às vezes, é a distância segura que protege do medo da intimidade. E há os que gostam de “brincar de gangorra”, desqualificando o outro para se sentir superior. Muita gente sente medo da solidão (“ruim com ele, pior sem ele”), difícil aprender a curtir a própria companhia. Ou medo de mudar, sair da “zona de conforto” por mais desconfortável que esteja.
Os caminhos do amor e do desamor são complexos e misteriosos (até mesmo para terapeutas de família)!
Às vezes eu acho que esse faz de conta deve-se à necessidade de dar satisfação à sociedade. Muita gente vive não a própria vida, mas a dos outros, pois fazem, seguem e “gostam” de tudo o que a maioria quer.
É mais um elemento nessa decisão de permanecer em uma relação desgastante para não perder o “status quo”…
No início, há a ilusão de que se deve aprender a respeitar os limites uns dos outros porque como não é possível que a natureza humana seja forcada por muito tempo, o respeito pode ajudar a conter atritos cotidianos. Mais na prática, a natureza humana é muito forte, e por isso não suporta o teatro por muito tempo. Quando estudei , compreendi que as coisas podem ser melhor explicadas a nível celular… As células podem sofrer vários tipos de agressão, e se recuperam naturalmente, mas, se houver um estímulo ininterrupto de forma repetitiva essa lesão pode deixar de apresentar um incômodo agudo, levando a um nível crônico. Sendo assim, a própria estrutura celular será modificada gerando um ¨ERRO¨ de código. Em alguns casos isso é a explicação de como se origina um câncer, e como o amor se transforma em ódio…
Corpo e mente são indissociáveis. O poder das ações, de pensamentos e sentimentos é muito grande.