Alguns problemas são inevitáveis, muitos outros são criados ou agravados por nossos filtros seletivos de escuta e de memória ou de interpretação das ações de outras pessoas. Na psicoterapia, trabalhamos para desfazer emaranhados de mal-entendidos na comunicação e clarear os temas predominantes que colorem os filtros seletores da percepção.
Quando rejeição e abandono é um tema predominante em nós, interpretamos inúmeras ações em diversos contextos usando esse filtro seletivo: percebemos como rejeição quando amigos não retornam as mensagens de imediato, quando o grupo conversa sobre assuntos diferentes do que gostaríamos de propor, quando o parceiro não faz exatamente o que queremos do jeito que achamos melhor, quando a ideia que propusemos na reunião de trabalho não é aceita, quando só lembramos do que os outros deixaram de fazer por nós e esquecemos o que recebemos de bom.
Circunstâncias como essas confirmam dolorosamente a sensação de sermos rejeitados, embora haja outras interpretações possíveis para as mesmas ações (os amigos estavam ocupados com outros afazeres, a conversa do grupo evoluiu por outros caminhos, o parceiro fez o que foi possível dentro da perspectiva dele, havia ideias melhores no grupo de trabalho, não dá para ninguém atender 100% de nossas expectativas).
Usando esse filtro seletor, não conseguimos ver o que fazemos para que os outros se afastem, como nos excluímos das conversas, como recusamos as ideias dos outros, como praticamos tão pouco o reconhecimento e a gratidão, ao fazermos tantas queixas, cobranças e reclamações. O resultado é um emaranhado de problemas de relacionamento, insatisfação, frustração, infelicidade: “Minha vida é um horror, ninguém gosta de mim, nada acontece como eu gostaria”.
Cultivar pensamentos catastróficos é outro modo de fabricar um emaranhado de problemas e acabar com a nossa paz interior. Quando a filha se atrasa e o celular não responde, isso é sinal de que aconteceu uma tragédia. O sistema de alarme é ativado, o corpo da mãe se inunda de hormônios do estresse, ela entra em pânico, não consegue se concentrar em coisa alguma, só imagina o pior. Não pensa que a bateria do celular descarregou ou que a filha estava se divertindo com amigos em um lugar barulhento, não ouviu o telefone e nem checou as mensagens. Quando ela finalmente chega, encontra a mãe estressada, desesperada e, em seguida, enraivecida por ter se assustado à toa.
Se pode complicar, por que facilitar? Parece que isso norteia a vida de alguns de nós. Cultivar a gratidão, apreciar o que a vida e as pessoas nos oferecem, pensar em hipóteses menos trágicas é um trabalho a ser feito para seguir as trilhas do bem-estar. Podemos estabelecer diálogos internos produtivos para questionar “certezas” criadas por nossas carências e temores, reorganizar nossas emoções, escolher que tipos de pensamentos vamos nutrir e encarar destemidamente nossas sombras.
Tereza, sem dúvida isso que vc. chama de filtro seletor, ou esquema cognitivo, ou sintoma, dependendo da corrente psicoterápica é, sem dúvida, o cerne do inventado sofrimento humano. Nós inventamos nossos neuróticos sofrimentos porque somos o único animal que porque fala, pensa, porque pensa, inventa fantasias, porque inventa fantasias, sofre por nada! Será que não bastaria o sofrimento inexorável, que não pode ser evitado? Ainda temos de inventar fontes dispensáveis de sofrimento? Afinal por que isso? Que tal pudesse isso ser o tema de um de nossos encontros?
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Bom tema para reflexão, com certeza! E essa é uma boa parte do nosso ofício como psicoterapeutas, lançar luz sobre essa construção do sofrimento e, por conseguinte, da infelicidade para abrir a possibilidade de construir uma vida melhor.