Esse foi o tema de uma conversa com profissionais de práticas colaborativas, em que a construção de confiança é essencial para que os problemas não tomem o rumo do litígio.
Para Charles Feldman, confiança é escolher colocar algo que é importante para nós em situação de vulnerabilidade, por depender das ações de outra pessoa. Desconfiança é quando percebemos que algo importante que compartilhamos com alguém não está em segurança com essa pessoa.
Nós, que trabalhamos com psicoterapia e mediação de conflitos, somos nosso instrumento de trabalho. Por isso, o processo infindável de autoconhecimento é central, além da competência técnica. Oferecer um ambiente de trabalho seguro, livre de ameaças, com empatia e escuta sensível, com compaixão, para ouvir as histórias e as perspectivas das diversas pessoas envolvidas com o objetivo de construir em conjunto novas possibilidades de percepção, perspectivas e caminhos de entendimento.
Mas sem ser ingênuo: estar alerta para as estratégias de sedução, perceber a manipulação feita por quem quer “ganhar” na construção do acordo, mesmo que provisório.
A escuta empática é ferramenta essencial para a construção da confiança. “Eu me sinto visto e ouvido”. A pessoa sente-se encorajada a ir mais fundo em suas questões. A boa qualidade da escuta cria um ambiente seguro para que as perguntas difíceis possam ser feitas.
Atenção especial para as camadas de sentimentos, a tristeza sob a raiva, a mágoa que impede restaurar algum grau da confiança rompida.
Ver que, por exemplo, as duas pessoas em processo de divórcio procuram o profissional após a ruptura do vínculo de confiança. Até onde é possível restaurar essa confiança? Ou discernir entre deixar de confiar como cônjuge, mas preservar a confiança como figura parental?
A dor da traição rompe a confiança e se espalha por outras áreas, por exemplo, na patrimonial: Está escondendo o que realmente ganha para pagar menos pensão? Fez uma aliança com filhos para descobrir documentos que comprovem que o ex-cônjuge tem mais renda do que declara?
A descoberta da traição rompe a relação de confiança. Essa dor comumente se expressa pela raiva, que tenta acolchoar a tristeza e a desilusão. Surge o desejo de dar a volta por cima, percebendo que a capacidade de amar nos pertence e pode ser direcionada a outras pessoas após a superação da dor atual. Por outro lado, pode se cristalizar em amargura e descrença na possibilidade de viver outros amores.
Se uma pessoa tem viés paranoico, acha que não dá para confiar em ninguém. Pode ter passado por muitas situações em que foi enganada, traída. Isso torna mais difícil o processo de construir confiança no profissional que está atendendo. A pessoa pensa, por exemplo, que juízes e advogados foram comprados para dar uma decisão favorável para a outra parte. Ou permanece casada pelo ódio, com reclamações incessantes contra o ex-cônjuge.
Precisamos expandir nossa sensibilidade para ver o que a pessoa precisa. Confiança é um processo, sempre correndo o risco de resvalar para a desconfiança, dependendo das expectativas criadas ou de algum mal-entendido. Muitos profissionais sentem-se impotentes e frustrados, ao perceberem que o acordo não está sendo cumprido, por conta do turbilhão emocional ainda presente.
O espaço do trabalho colaborativo inclui surpresa, descoberta, curiosidade, presença integral. É o que garante a mudança. Diálogo é ouvir e construir juntos um caminho para a solução.
Em tempo: Fiz a foto que ilustra o texto há muitos anos, em viagem pelo interior do México. Não ouvi a conversa, mas fiquei fascinada com a postura de escuta que envolve todo o ser.