O que fazemos com o que fazem conosco?
Temos múltiplas escolhas de caminhos a seguir.
Em muitas ocasiões, nos sentimos decepcionados e magoados por amigos, filhos, parceiros amorosos, colegas de trabalho. E também decepcionamos e magoamos muitas pessoas no decorrer da vida. Até mesmo sem perceber ou sem ter intenções explícitas de ofender quem quer que seja.
Fred e Marisa frequentavam o mesmo grupo de amigos. Há quatro anos, ela foi demitida. Sem reserva financeira e com a família morando em outra cidade, Marisa pediu a Fred que a acolhesse em seu apartamento até que conseguisse um novo emprego. Apesar de gostar da liberdade de morar sozinho, ele aceitou o pedido da amiga, e se sentiu constrangido para combinar com ela algumas regras básicas de convivência.
Agradecida, Marisa colaborou com as tarefas da casa nas primeiras semanas. Depois, passou a se queixar de cansaço e desgaste pelas tentativas frustradas de se recolocar no mercado de trabalho, deixando a organização da casa por conta de Fred. Dez meses depois: nenhuma oferta de emprego a agradou, e Fred não aguentava mais aquela situação. No limite, disse que não poderia mais mantê-la como hóspede.
Furiosa, Marisa disse que ele era egoísta e mesquinho. Enraivecido, Fred rebateu dizendo que ela era ingrata e insensível. A amizade foi rompida, e ambos guardam mágoas desde então.
Como contribuímos para criar em conjunto uma situação potencialmente difícil? Pedimos aos amigos algo além do que eles podem oferecer? Temos dificuldade de dizer “não” a alguns pedidos, por medo de perder o relacionamento? Criamos altas expectativas e nos decepcionamos quando as pessoas não fazem o que esperávamos? Apresentamos uma imagem ideal de nós mesmos, escondendo a humanidade de nossos limites e imperfeições?
Há ocasiões em que nos aprisionamos na mágoa crônica e cultivamos amargura, ressentimento, desejo de vingança ou tristeza infinita. Isso nos intoxica e nos adoece. Se não foi possível evitar que o outro nos magoasse, convém lembrar que temos a liberdade de não deixar que essa dor ocupe tanto espaço em nosso coração. Podemos decidir não generalizar a decepção (“ ninguém merece minha confiança!”) e, com isso, evitar o risco de fechar muitos caminhos de vida. Os sentimentos se transformam e se encadeiam uns nos outros. Se o que alguém fez (ou deixou de fazer) nos trouxe sofrimento, cabe a nós não permitir que essa dor se eternize e nos condene à prisão perpétua da mágoa.
É difícil encontrar alguém que não guarda mágoas. Na maioria das vezes, levamos dentro de nós, aquele nó, algo que nos sufoca, aquela mágoa que nos atormenta constantemente e não pensamos em nos livrar dela, que nos faz tanto mal, talvez até mesmo mais do que o próprio acontecimento. É preciso aprender a nos livrar destes laços, que nos prende a um passado que não irá levar a nada.
É isso, Sônia. É sempre bom lembrar que podemos escolher o que fazer com o que fazem conosco. Mesmo quando sentimos dificuldade de sair da teia da mágoa, é preciso dar prosseguimento a esse trabalho interno até conseguir sair dessa prisão que nos impede de fluir pela vida.
Adorei esse tema, teias da mágoa. Isso mesmo, criamos várias teias e ficamos presos nessas teias. A mágoa é como ferrugem, vai roendo devagar, de forma lenta e dolorosa e somente o autoconhecimento nos faz libertar dessa teia perigosa.
É isso aí, Kátia! A mágoa nos intoxica e, com isso, limita o aproveitamento de muitas possibilidades que a vida nos apresenta.