Comumente, pensamos no medo como algo a ser enfrentado e superado. Muitos consideram que sentir medo é sinal de fraqueza.
Mas o medo pode enriquecer nossa imaginação, quando pensamos em meios de sair de uma situação assustadora ou de evitar as que são realmente perigosas. Karen Thompson Walker, na palestra TED com o tema “O que podemos aprender com o medo?” compara o processo de sentir medo com a criação de ficção. O medo inspira histórias com princípio, meio e fim, roteiros de suspense ou de terror: como terminam essas cenas que o medo nos faz imaginar? O medo nos estimula a criar histórias. Portanto, podemos pensar nos enredos inspirados pelo medo como histórias, de nossa própria autoria.
Em vez de evitar ou superar o medo, podemos procurar entendê-lo mais a fundo, examinar os cenários propostos, imaginar recursos para sair das dificuldades e estratégias de autoproteção.
Há tempos, fiz um curso de mergulho em Fernando de Noronha. Consegui fazer alguns mergulhos com tranquilidade, mas entrei em pânico em Pedras Secas, lugar de mar aberto, “sonho de consumo” dos mergulhadores por ser incrivelmente bonito e porque, para os barcos, é difícil conseguir autorização para chegar lá.
Foi um prêmio do qual não consegui desfrutar: condições de mergulho mais difíceis, maior profundidade, entrou água no respirador, eu me apavorei e esqueci como efetuar o procedimento simples e eficaz. Fiz sinal para o guia pedindo para subir. Na superfície, o mar estava agitado, e eu não consegui inflar o colete (outro procedimento elementar). Engoli água, achei que ia morrer afogada. O barco custou a chegar, o guia tentando me acalmar, eu apavorada. Subi frustrada, principalmente depois que os outros mergulhadores descreveram o cenário deslumbrante. Não consegui me recompor para o segundo mergulho do dia, em águas calmas.
O medo me inspirou muitas histórias, predominaram as de final trágico, que inibiram os recursos que o medo protetor me sinalizou.
Alguns anos depois, com um histórico de outros mergulhos bem aproveitados, voltei a Fernando de Noronha. Dois dias de “snorkel” em Baía dos Porcos e no Sueste, vendo lagostas, tartarugas, peixes e corais. No terceiro dia, agendei uma saída com dois mergulhos de cilindro. Nunca se sabe de antemão onde serão, depende das condições climáticas. Assim que entrei no barco, encontrei a equipe eufórica: os dois pontos de mergulho seriam em Pedras Secas!
Gelei: as imagens anteriores voltaram. O medo imediatamente me inspirou histórias trágicas. Falei com o grupo sobre meu trauma. Um “anjo da guarda” prometeu cuidar de mim para que eu pudesse aproveitar os mergulhos. Desci junto com ele. A água estava azul-anil, límpida, com ondas grandes. Consegui pensar em histórias com final feliz, aproveitando a inspiração do medo protetor, embora as histórias de terror também estivessem presentes.
Comecei a descida: ao avistar o primeiro cardume, as imagens do mergulho traumático voltaram. Fiquei angustiada, a respiração acelerou, mas com a ajuda do colega, consegui me acalmar e aproveitar a beleza. As histórias de encantamento tomaram a dianteira.
Foram dois mergulhos inesquecíveis: admirei os arcos de calcário, belas esculturas submarinas, cavernas, jardins de algas, corais e peixes multicoloridos, tartarugas e um pequeno tubarão. Um cenário surreal, onírico. Emergi profundamente emocionada, as imagens da beleza mais fortes do que as histórias de terror inspiradas pelo medo. São essas imagens que agora habitam minhas lembranças de Pedras Secas.