Diogo, Renata e Isa me contaram que a “contabilidade” do fim de semana foi alta: beijaram mais de meia dúzia na festa, foi uma “pegação geral”. Os contatos feitos e descartados velozmente abortam repetidamente embriões de relacionamentos.
Quando ouço homens e mulheres de todas as idades se queixando da frustração decorrente do vazio e da transitoriedade desses (des)encontros, penso no quanto a liberação sexual resulta em repressão da afetividade, empobrecendo o desejo e gerando uma grande insatisfação.
O fantástico crescimento das vendas de fórmulas afrodisíacas, de brinquedos eróticos e de medicamentos para a disfunção erétil pode ser visto como sintoma da dificuldade de encontrar antigos caminhos que integram afeto e desejo. Em todos os tempos, o melhor afrodisíaco é abrir o coração!
Gosto de reler autores que aprecio. Um deles é Machado de Assis, que capta tão bem as sutilezas emocionais dos personagens, os conflitos de relacionamento e, sobretudo, a nutrição do desejo. A atração que se acende quando o olhar descobre a alvura do braço da mulher, ou seu tornozelo subitamente revelado por um movimento indiscreto do vestido longo. O desejo que se incendeia por um toque breve e furtivo, pela troca discreta de olhares, por um bilhete enviado por um criado. Naquele tempo, o namoro das moças de família era estritamente vigiado e o desejo crescia e se nutria nos subterrâneos da imaginação, da fantasia, da transgressão cuidadosamente ocultada.
Ao reler o clássico “As mil e uma noites”, fiquei novamente encantada pela magia das histórias envolventes de Cheherazade. O sultão Chahriar mandava matar todas as moças que ele desvirginava na primeira e única noite que passava com elas (os contatos apagados no smartphone logo após a primeira transa?). Mas Cheherazade encantou o sultão contando histórias de modo envolvente, misterioso, empolgante, nutrindo o desejo. Após mil e uma noites, o sultão, inteiramente apaixonado por ela, desistiu de matá-la.
O comportamento de jogar fora as pessoas sem dedicar algum tempo para conhecê-las é um aspecto da cultura do consumismo que nos induz a procurar incessantemente as novidades do mercado. No livro “Amor líquido” o sociólogo Zygmunt Bauman examina as características da “modernidade líquida” e seus efeitos nocivos sobre a capacidade de amar. Para ele, os consumidores de hoje compram por impulso, nem se dão ao trabalho de alimentar o desejo, uma vez que esse processo depende de tempo e paciência, coisas que não combinam com a cultura da satisfação imediata. Muitos estão fazendo o mesmo com os relacionamentos rapidamente consumidos e descartados: começam e terminam no impulso, sem tempo de nutrir o desejo e desenvolver o amor.
Diz Bauman: “Afinal, automóveis, computadores ou telefones celulares perfeitamente usáveis, em bom estado e em condições de funcionamento satisfatório são considerados, sem remorso, como um monte de lixo no instante em que novas e aperfeiçoadas versões aparecem nas lojas e se tornam o assunto do momento. Alguma razão para que as parcerias sejam consideradas uma exceção à regra?”
E a magia, o mistério, a arte da sedução, o fascínio de conhecer melhor a outra pessoa? A sutileza dos olhares, os matizes do toque, o fazer-se envolvente sem medo de se deixar envolver? Quem ousa descobrir o privilégio de um encontro mais profundo sabe que isso não saiu de moda, nem ficou perdido no tempo…
Temos que acreditar em um amor que transcenda aos “desejos estabelecidos” pois cada um de nós tem sentimentos distintos…
Pois é, Cristina, o amor pode seguir múltiplos caminhos!