– Você pode me escutar? Hein?! Cara, eu quero que você me escute! Não estou afim de ir pra sua casa hoje à noite! Você acha que eu tenho que ficar disponível sempre que você quiser? Tô fora!
A moça, de uns vinte anos, estava sentada ao meu lado, no ônibus para Copacabana. Não consegui escutar o que ele dizia, mas ela estava irritada, reafirmando várias vezes que não estava disposta a ceder.
Como terapeuta de casal e de família, presenciei inúmeras vezes esse jogo de poder. Desejos divergentes gerando posições inflexíveis pelo medo de perder a batalha. Reclamações, queixas e acusações ocupando o espaço dos acordos possíveis. Com a repetição incessante de seus próprios argumentos, nenhum deles escuta o que o outro realmente tem a dizer.
Os conflitos surgem a partir das diferenças de necessidades, desejos, pontos de vista. Cada um de nós desenvolve diversas estratégias para resolver conflitos. Há quem prefira ceder aos desejos dos outros para evitar brigas. No entanto, o uso excessivo dessa estratégia acaba acumulando mágoa e ressentimento que podem minar a relação e cultivar uma crescente insatisfação. O dominador aparentemente ganha as batalhas impondo seus desejos e opiniões. Mas pode ter dificuldade de entender o progressivo distanciamento do outro, o esfriamento da relação pela insatisfação que se acumula. Alguns se surpreendem quando o outro, cansado e frustrado por tanto ceder, explode e vai embora de repente.
Saltei do ônibus pensando no que aconteceria com eles naquela noite. O desejo de ficarem juntos seria mais forte do que o jogo de poder? Conseguiriam chegar a uma solução razoável para ambos? Ou o impasse se arrastaria ainda mais, azedando o clima da relação?
Quando ambos estão dispostos a encontrar a melhor forma de cuidar bem do relacionamento é possível sair da rigidez das respectivas posições e captar com sensibilidade as necessidades subjacentes. “Tem que ser do jeito que eu quero” passa a ser menos importante do que buscar “o que cada um de nós pode fazer para que a gente fique bem juntos”.